“Por favor, o jurídico não! Eles não ajudam no fechamento do negócio, só veem problemas!”
O pânico era generalizado, bastava o diretor de novos negócios pedir a presença do jurídico para acompanhar a equipe de compras que a frase era: “Por favor, o jurídico não! Eles não ajudam no fechamento do negócio, só veem problemas!”
Essa era a frase que eu mais ouvia quando comecei a trabalhar em incorporadoras. Não foi fácil melhorar esse conceito, mas um dia a história mudou, e finalmente passei a ser convidada para essas reuniões.
Hoje em dia entendo perfeitamente os motivos pelos quais o bloqueio acontecia.
A questão não era pessoal, era corporativa. O jurídico dentro das empresas costumava ser encarado como “legalista” demais, que não “joga” junto com a empresa para a realização negócio. Qual seria o fundamento dessa história?
COMPORTAMENTO DIFERENCIADO DO ADVOGADO
Desde da universidade somos treinados para ter um perfil diferenciado. Algumas habilidades que para o mercado em geral são ruins, para nós advogados é o pulo do gato.
Trago aqui algumas particularidades que descrevem esse entendimento.
BAIXA TOLERÂNCIA AOS ERROS
A cultura empresarial contemporânea entende que os processos de inovação e criatividade estão intimamente ligados a tolerância maior ao erro. As falhas são parte importante na construção do aprendizado.
Porém, a questão apresenta outras nuances quando se fala DA prestação de serviços jurídicos. Imagino que será bem complicado você explicar ao cliente que advocacia é atividade meio, quando seu pedido for indeferido....
Somos treinados para não falhar (como se isso fosse possível). A pressão está por todos os lados: interna (autogerenciamento), externa (escritório ou departamento) e do mercado (clientes). Será que o mercado jurídico está preparado para aceitar esse padrão de comportamento, que foi já introduzido em outros seguimentos de mercados?
TREINADOS PARA A BATALHA
Advogar significa atender o interesse de seu cliente, e para isso somos formados, para ganhar as batalhas.
Somamos anos e anos de experiência entendendo que só a vitória interessa, e quanto mais competitivo for o espírito do lutador, mais acirrado será o embate. A pergunta é, a que preço? Considerando obviamente uma atuação ética, estamos diante de um dilema da existência humana, onde para um ganhar o outro tem que perder.
Na prática estar treinado 100% do tempo para o embate, não é propriamente um comportamento conciliador ou proativo para o fechamento de um negócio.
EXCESSO DE PRUDÊNCIA
Você também já deve ter ouvido a frase: “o jurídico enxerga problema em tudo!”. Claro, somos treinados - e pagos - para isso!
Ao redigirmos as cláusulas de um contrato, por exemplo, nossa missão é baseada no binômio: prevenção e reparação de danos. Detectamos e imaginamos tudo o que pode dar errado e nos antecipamos apresentando as possíveis soluções.
Essa habilidade em antever problemas é extremante útil na pratica do dia a dia, mas uma catástrofe quando levada aos demais aspectos da nossa vida. Às vezes, essa prudência excessiva passa a ser identificada como negativismo e falta de parceria no negócio do cliente.
Sem contar pesquisas que sugerem problemas apresentados na vida pessoal em decorrência dessa habilidade comportamental denominada excesso de prudência. O psicólogo americano, Martin Seligman realizou pesquisas com profissionais de várias áreas e trouxe uma conclusão um tanto polêmica. Segundo ele, em decorrência da má utilização da referida habilidade, os advogados teriam maior probabilidade de apresentar problemas como depressão, alcoolismo e uso de drogas em geral.
ADVOGADO PARCEIRO DE NEGÓCIOS
A advocacia vem mudando. Os clientes valorizam cada vez o perfil do advogado como parceiro na atividade, sendo assim estamos cada vez mais atualizando os nossos sistemas internos, para atuar diante dessa nova realidade.
E como seriam as habilidades necessárias para o advogado enfrentar os novos desafios? Estaria a formação universitária ensinando assuntos como inteligência emocional, Soft Skills e gestão de pessoas? Como os escritórios estariam preparando seus advogados para essa nova realidade? E os próprios advogados, estariam dedicando tempo e estudo para a evolução de outras competências além do estudo técnico?
MUDANÇA POSSÍVEL
Na minha história com o departamento de novos negócios a experiência foi positiva. Depois que entendi como poderia ajudar na negociação, mantendo a segurança jurídica do negócio, passei a ser figura obrigatória nas reuniões. Então, acredito que é possível trabalhar a construção das habilidades exigidas pelo mercado.
CONSTRUINDO UM NOVO CAMINHO
Sem querer ser simplista, aponto para duas dimensões que podem ajudar nessa estrada: a percepção do ambiente e o entendimento de suas forças.
Estudar o cliente a fundo, entender o que é oportunidade, explorar possibilidades, montar cenários, focar no resultado, gerenciar as emoções dos participantes no ambiente, conduzir ao invés de conflitar. São apenas algumas possibilidades de aumentar a sua percepção do ambiente. Nesse sentido, o velho e bom treinamento faz toda a diferença.
Quanto a outra dimensão, o entendimento das nossas forças, vem de um longo processo de autoconhecimento, autogerenciamento e inteligência emocional. Ouvir feedbacks sinceros nos aproximam muito dessa meta, especialmente se tivermos condições psicológicas de ouvir.
Em outras palavras, estamos falando sobre habilidades para lidar com situações interpessoais que, na minha modesta opinião, precisarão ser trabalhadas de uma forma mais efetiva pelas Universidades e pelo mercado em geral.
Vale deixar um conselho para quem chegou até aqui neste texto: independente dos estímulos externos, vá buscar a construção das suas habilidades, porque esse será o caminho mais rápido e concreto para a evolução da sua carreira.