PORQUE OS ADVOGADOS SÃO TÃO INFELIZES?

 

Em meados de 2019, quando pesquisava temas para a tese de conclusão de curso da especialização em Psicologia Positiva deparei-me com uma pergunta extremamente intrigante: Por que os advogados são tão infelizes? 

 

Essa frase impactante estava publicada no livro “Felicidade Autêntica”(2002), do precursor da matéria, o psicólogo e pesquisador Martin Seligman. Acompanhada dessa frase havia uma afirmação que os advogados teriam uma maior predisposição para problemas como alcoolismo, drogas ilícitas, depressão e infelicidade. 

 

Foi um soco no estômago, que me fez mergulhar nas pesquisas que embasaram os trabalhos do Prof. Seligman sobre a possibilidade de advogados serem profissionais mais infelizes que os demais.

 

Seria essa característica nata ou adquirida pelo exercício da profissão? Qual a importância do ambiente sobre o estado de espírito dos advogados? Existiria algum trabalho preventivo no sentido de diminuir o impacto do efeito negativo dessas características? 

 

Veremos que existem fatores que aumentam a predisposição dos profissionais a infelicidade.

 

QUAIS SÃO AS CARACTERÍSTICAS  INATAS E ADQUIRIDAS DOS ADVOGADOS?

 

Existiriam características de personalidade mais identificada nos advogados, que fosse capaz de trazer infelicidade aos profissionais? As pesquisas comprovaram que sim. A princípio, os comportamentos excessivamente pessimista e cético foram identificados como possíveis causas para a insatisfação profissional e pessoal dos advogados. Vejamos o que foi analisado para cada uma das possíveis causas.

 

I-              Advogados levam desvantagem por serem pessimistas

 

Em geral, ter uma visão pessimista com relação ao mundo costuma atrapalhar a maioria das iniciativas, seja na vida pessoal ou na vida profissional, mas para os advogados a conclusão é outra.

 

O pessimismo na atuação do profissional jurídico não somente é incentivado desde a formação universitária, como é esperado na vida profissional. Condição para o sucesso em uma demanda temos que nos precaver em diversas circunstâncias, tais como, nas condições negativas de um negócio, nas cláusulas abusivas de um contrato, nas propostas não legitimas de um acordo, e assim por diante. Neste sentido, uma dose de pessimismo é providencial, e pode ser chamado de prudência.

 

Ocorre que, a sua utilização em excesso extrapola o âmbito profissional e atinge as relações pessoais dos indivíduos, no momento em temos a tendência a ver o mundo com uma certa negatividade e predisposição para o pior, comportamento que pode trazer consequências psicológicas difíceis de se dissolver. Somente para contextualizar, vale dizer que o pessimista em geral acredita que as circunstancias negativas são generalizadas, eternas e incidentes unicamente em sua pessoa. Um indivíduo otimista, por sua vez, enxerga ao contrário, ele acredita que a circunstância negativa é pontual, passageira e que eventualmente atinge a sua pessoa.

 

Seguindo nesse raciocínio, o Prof. Seligman acredita na existência de uma correlação direta do excesso de pessimismo à insatisfação subjetiva dos profissionais,  atitude que em casos extremos originariam comportamentos disfuncionais como quadros de depressão, alcoolismo, divórcio e utilização de drogas ilícitas.

 

 

II-            Advogados não são treinados para administrar as demandas emocionais da profissão.

 

Baixa habilidade em conduzir assuntos emocionais estaria no cerne da dificuldade enfrentada por alguns profissionais para evoluir da carreira e na percepção de satisfação com a atividade.

 

Na conjuntura atual, o profissional é cobrado não só pela competência técnica, mas também pelo sua habilidade emocional. As chamadas Soft Skills não são ensinadas na universidade, muito pelo contrário, em algumas circunstâncias o distanciamento e a divisão clara entre o racional e o emocional é sugerido desde os primeiros anos de formação.

 

A mencionada separação racional – emocional tem até uma denominação: surface action (ação superficial).O comportamento consiste em ocultar as emoções sentidas ou expressar emoções que não sentem, apenas para manter o emocional sob controle. Tal  manobra pode ser eficaz por um tempo, mas a longo prazo a pouca habilidade para lidar verdadeiramente com os sentimentos pode gerar conflitos internos, exaustão emocional, problemas de ordem familiar, estresse ocupacional e a percepção de mau desempenho. 

 

A evidente falta de preparo dos profissionais para lidar com as demandas emocionais apresentadas no contexto diário da atividade figura como mais um elemento nocivo no que tange a utilização positiva da inteligência emocional, realização pessoal e bem estar no trabalho.

 

 

III-           Advogados são mais céticos que profissionais de outras áreas

 

Estudos de personalidade em profissionais americanos, através do método de avaliação chamado Myers Briggs Type Indicator (MBTI) demonstraram que  entre a população “normal” a “taxa de ceticismo” está em torno de 50 %, enquanto a dos advogados está em torno de 90%. 

 

Novamente, um traço de personalidade essencial para o desenvolvimento da atividade profissional – o ceticismo – pode ser prejudicial no que tange aos demais aspectos da vida do indivíduo. Em termos práticos, o profissional cria o hábito de problematizar as situações corriqueiras, desconfiar da efetividade das relações,  manter-se inerte diante de algumas atitudes onde deveria ser proativo, e ter um nível baixo de tolerância.

 

CONTRIBUIÇÃO DA PSICOLOGIA POSITIVA PARA AUMENTO DA SATISFAÇÃO DOS ADVOGADOS

 

Segundo apresentado pelo precursor da matéria em debate, os três fatores principais para o baixo estado de ânimo entre os advogados seriam: a) características individuais, como o pessimismo, o ceticismo e a baixa habilidade emocional, b) a pouca liberdade de decisão e altas exigências no trabalho; c) o antagonismo existente entre a busca pelo propósito e as praticas competitivas de mercado.

 

Como condições de melhoria para o problema de insatisfação entre os advogados, o professor Martin Seligman indicou algumas práticas, com base na psicologia positiva:

 

a)             Utilização do “otimismo aprendido”: A ideia é reduzir o problema ao tamanho real, e não superestimá-lo, e buscar separar as características da visão negativa, deixando-a restrita ao ambiente profissional. Quer seja através de técnicas realizadas em grupos profissionais ou práticas individuais, o otimismo aprendido demonstra ser uma ferramenta de potencial eficácia sobre o desempenho e o moral dos profissionais da área.

 

B)            Aumentar a liberdade de decisão:  Especialmente profissionais no início da carreira costumam desenvolver atividades repetitivas, com pouco grau de complexidade e liberdade de decisão, fato que praticamente não difere em outras profissões. Contudo, em decorrência da característica da profissão, os jovens profissionais, ainda que sem preparo para assumir certas condutas, são responsabilizados integralmente pelo atos praticados, o que gera um alto nível de tensão. O aumento da liberdade de decisão auxilia o profissional na medida em que permite a visualização do trabalho como um todo, a sua participação efetiva na solução da demanda, e um grau mais satisfatório de controle e gerenciamento pessoal do seu trabalho.

 

C)            Utilização das virtudes e forças de caráter. Comportamento que pode ser identificado como o elemento mais complexo de tratar. A dualidade existente entre (i) a busca de um propósito no exercício da profissão  e (ii) as práticas competitivas de mercado, gera grandes doses de ansiedade e decepção para alguns profissionais, especialmente ao público mais jovem. Inegável condição de satisfação profissional para grande parte dos profissionais, a busca pela realização de propósito pode ser atingida quando se exercita as funções mais adequadas à personalidade de cada indivíduo, os seus talentos e aptidões, que na psicologia positiva são chamadas de forças de caráter. Buscar o autoconhecimento e entender quais os elementos para a motivação do profissional deixa de ser uma responsabilidade individual e passa a ser um elemento da cultura das empresas e escritórios. Quanto mais próximo de seus valores, mas realizado o profissional se percebe.

 

 

CONCLUSÃO

 

Passamos por momentos difíceis nos últimos anos, que transformaram o nosso olhar sob o trabalho e a forma como queremos nos relacionar com ele, e neste sentido não há outro remédio a não ser dedicar um tempo maior ao autoconhecimento e buscar condições de satisfação pessoal, que não esteja vinculada apenas a realização financeira.

 

Os escritórios também passam por momentos de mudança, sendo certo que um dos maiores desafios para os empregadores (especialmente as lideranças) está na capacidade de observação do outro Apesar da condição de trabalho ter normatizado o trabalho hibrido, à distância, nunca foi tão importante o olho no olho e a presença para desenvolver as pessoas e suas equipes.

 

Mas, apesar do desgaste profissional mencionado para a área jurídica, alguns especialistas estão se dedicando a possibilidade de atuar com práticas que visam o aumento do bem-estar e da felicidade dos advogados. Estamos todos nos reinventado, a própria advocacia passa por um momento de inovação e aceitação da tecnologia, e a parte mais significativa que teremos que nos dedicar nessa mudança será, com certeza, o capital humano.

 

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